O sentido das multas

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Na quarta-feira 4 de dezembro a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal aprovou em caráter terminativo o Projeto de Lei (PLS) 684/2011, que seguirá agora para a Câmara dos Deputados se não houver recurso para votação em plenário. Entre outras medidas que apertam o cerco contra maus condutores, o projeto triplica ou até quintuplica os valores das multas de um conjunto de infrações de trânsito.

Com um rápido e assumidamente superficial cotejamento entre o elenco de infrações tratadas no projeto e o noticiário mais ou menos recente, estou convencido de que os senadores foram fortemente influenciados pelo grau de barbárie a que chegam certas pessoas quando estão a bordo de seus veículos. Certamente por isso mereceram atenção a alcoolemia ao volante, a promoção ou participação em rachas e a não prestação de socorro a vítimas de acidentes. Quero deixar claro que vejo essa influência de forma muito positiva. É essencial que o parlamento esteja em sintonia com a sociedade que ele representa. Há, porém, um problema de método na elaboração de projetos como o PLS 684.

O CTB (Código de Trânsito Brasileiro) foi sancionado em setembro de 1997 e entrou em vigor em janeiro de 1998. Era a coroação de um longo processo que mobilizou parcela significativa da sociedade civil, particularmente aqueles setores mais envolvidos com as questões de segurança no trânsito. A cobertura que a imprensa deu ao período final de tramitação do CTB, mostrando preocupação com os números alarmantes de acidentes e destacando o aumento do rigor que a nova lei anunciava, ajudou a fazer de 1997, antes mesmo da vigência do código, um dos anos com mais baixos índices de vítimas do trânsito.

O rigor da nova lei traduzia-se especialmente nos altos valores das multas, um aspecto que sempre costuma sensibilizar bem as pessoas. Havia, de fato, a manifesta intenção do legislador, que se revelava com absoluta clareza no peso das penalidades pecuniárias, de punir severa e exemplarmente os infratores.

O ano de 1997 pertenceu também ao período de estabilização da economia brasileira, imediatamente após a edição do Plano Real (1994). A então recente troca de moeda e a necessidade de consolidar o novo padrão monetário levaram o governo a instituir a UFIR (Unidade Fiscal de Referência), usada para corrigir impostos sem colocar em risco a saúde do recém-nascido Real. Naquela conjuntura, possivelmente com receio de ressuscitar mecanismos inflacionários de indexação da economia, o Congresso Nacional definiu as multas no CTB em UFIR.

Passados alguns anos, consolidado o Real, o governo concluiu que não havia mais por que manter a UFIR e extinguiu-a em outubro de 2000, deixando o CTB com os valores das multas congelados desde então. Felizmente nunca mais tivemos que experimentar taxas de inflação na casa dos 80% mensais. Isso não quer dizer, porém, que a moeda tenha deixado de se desvalorizar nesses 13 anos. Se meus cálculos não estiverem muito errados, para recuperar os valores do ano 2000, as multas de trânsito precisariam ser linearmente corrigidas hoje em cerca de 85%.

Entendo que toda legislação necessita ser revisada de tempos em tempos e ajustes devem ser feitos para aperfeiçoá-la e eliminar distorções, refletindo as demandas que a realidade objetiva impõe. O PLS 684 tem esse objetivo. É um esforço semelhante ao que representaram outras alterações no CTB – como a chamada Lei Seca, por exemplo – que visaram combater atitudes e comportamentos que com o tempo adquiriram dimensões que não tinham quando da sanção do CTB. No entanto, ajustes pontuais não podem substituir o esforço de preservação do espírito da lei. Por mais impopular que a medida possa parecer, é necessário que o Congresso atualize linearmente os valores de todas as multas de trânsito.

Paulo César Marques é Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), é Doutor em Transportes pela University College London (Inglaterra) e foi fundador da ONG Rodas da Paz

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