O crescimento da ciclomobilidade no Brasil e suas consequências

Raphael Barros Dorneles
Secretário Executivo da Rodas da Paz

Brasília tem vivido um boom de uso das bicicletas a olhos vistos. Enquanto antes éramos os esquisitos que transitavam pela cidade de bicicleta, agora encontramos algumas pessoas que compartilham da mesma benesse que nós.
Por mais que o GDF não tenha feito nenhuma campanha educativa de massas nos últimos anos, desde 2005 as mortes envolvendo bicicleta estão em queda constante. Mesmo antes do advento das ciclovias, alguma coisa aconteceu: os ciclistas tomaram mais consciência da necessidade de atuar de forma mais segura no trânsito, ou o trânsito piorou tanto que a velocidade se tornou menos mortal…

A bicicleta sempre teve uma grande participação no espectro modal nas cidades com menor renda per capita. Com a precarização das relações trabalhistas, ela se tornou uma forma de transporte acessível para as pessoas que não recebem vale-transporte. Hoje em dia, há uma mudança de paradigma na mobilidade de Brasília: a bicicleta passa a ser uma forma de transporte para a população nas faixas de renda média e alta, além de ser um esporte que cresce na cidade. Isso aumenta a quantidade de bicicletas de maior valor circulando pelas ruas, consequentemente, aumentando os roubos.

Tive 3 bicicletas furtadas. Todas as 3 com invasão em domicílio. Não houve nenhuma investigação ou visita ao local do furto. Com essa experiência, aprendi também que o sistema da polícia civil não tem uma rede de informações integrada. Ou seja, se a minha bicicleta fosse apreendida em Planaltina, ela não me seria entregue de volta, pois meu boletim de ocorrência foi feito na delegacia da Asa Sul. Eu teria que percorrer de tempos em tempos todas as delegacias do DF e entorno para ter maiores chances de rever as minhas bicicletas.

Houve casos mais graves ainda recentemente, como o roubo seguido de morte que ocorreu na ciclovia de Santa Maria com o ciclista Hudson Lima, ou com o caso da tentativa de assalto que aconteceu em Samambaia e acabou com a morte do assaltante. Duas vidas perdidas na mesma semana.

A situação se torna calamitosa com a total falta de estrutura das ciclovias, sem sinalização vertical e iluminação. Tal descaso desestimula o uso das vias, pois deixam os ciclistas vulneráveis. O para-e-anda gerado pelos cruzamentos com a via do carro também fragilizam o ciclista. Ciclovias bem iluminadas, sinalizadas, com fluidez e frequentadas com certeza diminuiriam o risco de assalto.

O custo elevado da bicicleta também é uma das causas dessa violência. Uma bicicleta de boa qualidade no Brasil não custa menos de 700 reais, ainda mais se você for uma pessoa de maior estatura. O estudo do Bicicleta para Todos acusa uma tributação média de 72% nas bicicletas. A enorme taxação que encarece esse meio de transporte estimula o surgimento de um mercado negro de peças e bicicletas roubadas.

Além disso, podemos ressaltar a falta de preparo da polícia, que encara o crescimento desse tipo de crime sem preparo nenhum. Enquanto há alguma mobilização para a busca de carros, não há nenhuma catalogação e compartilhamento da informação sobre as bicicletas recuperadas ou roubadas.

O que não pode acontecer é a cultura do medo vencer. A bicicleta não é apenas um meio de transporte seguro, devido à sua baixa velocidade, mas seu estímulo também ajuda a tornar o trânsito em geral mais seguro. A experiência de alguns lugares já deixou claro que quanto mais pessoas vencerem esse medo e forem para a rua (ou ciclovia, ou ciclofaixa, ou calçada compartilhada), mais seguro estarão aqueles que escolhem a bicicleta como forma de deslocamento.

A superação do medo está acontecendo, e isso tira as pessoas das suas armaduras pessoais de quatro rodas e uma tonelada e as leva de volta à cidade, às praças, às ruas. O medo se vai nas pedaladas que produzem felicidade e saúde, nas endorfinas da vida. A bicicleta liberta. Liberta a pessoa e a cidade.

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One comment on “O crescimento da ciclomobilidade no Brasil e suas consequências

  1. Marcos disse:

    Você montou uma espinha dorsal digna de um Globo Repórter. Parabéns!
    Humildemente acrescento que, o motorista que também pedala, tal qual o pedestre que passa a dirigir, tende a respeitar o ciclista/pedestre. O maior protege o menor. Temos que mobilizarmos para proteção de nossas vidas e patrimônio neste belíssimo e sacaneado País.

    Conte comigo, Raphael

    Marcos

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