Artigo no Correio: Sem pressa, todo mundo chega bem

Sem pressa, todo mundo chega bem

Bruno Leite, coordenador Geral da ONG Rodas da Paz

Desde 2005 as fatalidades envolvendo bicicletas vêm caindo no DF. Em 2016 foram registradas 19 vidas perdidas, o menor valor desde o início da década de 2000, quando os dados discriminando ocorrências envolvendo ciclistas começaram a ser disponibilizados. Ainda assim, nenhuma morte no trânsito é aceitável, principalmente porque as causas podem ser mitigadas e prevenidas. A chamada “Visão Zero”, programa de segurança viária de origem sueca, embasa essa premissa.

A realidade do trânsito no Brasil ainda é catastrófica. Neste Dia Global em Memória das Vítimas do Trânsito, é preciso alertar nossa população e gestores públicos sobre a necessidade de frear a violência das ruas. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde acidentes de trânsito são a segunda maior causa de mortes de jovens no país. Aproximadamente 40 mil vidas são perdidas por ano. A taxa de mortalidade no trânsito, em número de mortes para cada 100.000 habitantes, é a terceira maior da América e superior à média mundial. Várias são as causas, dentre elas uso de bebidas alcoólicas, imprudência e o excesso de velocidade.

Ao se buscar uma cidade mais humana, onde as pessoas possam desfrutar dos espaços públicos e se deslocarem ativamente, seja à pé ou de bicicleta, ou conjugando esses meios de transporte ativo com transporte coletivo, não podemos abrir mão de discutir as velocidades de nossas vias. Na América Latina, de acordo com dados da Organização PanAmerica de Saúde, pedestres, ciclistas e motociclistas representam 42% das mortes no trânsito. Por serem as partes mais frágeis do trânsito o impacto da redução da velocidade para salvar essas vidas é direto. De acordo com a literatura internacional, um atropelamento a 64 km/h faz com 85% das pessoas morram, 15% sofre lesões e 0% de chances de sobreviver ileso. A 48km/h há chance de morte de 45%, 50% de sobreviver com lesões e 5% sobreviver ileso. A 32 km/h apenas 5% de chance de morte, 65% de leões e 30% de sobreviver ileso. Ter vias urbanas com velocidades acima de 50km/h deveria ser a exceção, e não a regra.

Em 2011 a ONU lançou a campanha Década de Ação pela Segurança no Trânsito onde uma de suas principais recomendações é a redução da velocidade nas vias urbanas para 50 km/h.  Em Brasília são poucas as vias com velocidade menor que 60 km/h. E isso estamos falando de limites máximos onde há fiscalização, já que ainda não há a possibilidade de multar de acordo com a velocidade média dos veículos.

A adoção dessas medidas e a avaliação de seus impactos deve ser pensada em termos  de política pública e não de ganhos individuais. Ao contrário do que muitos pensam, a redução da velocidade não necessariamente causa aumento do tempo de deslocamento dentro de uma cidade. O que causa congestionamento é o excesso de carros, não os limites de velocidade, por isso que até vias de 80km/h como o Eixão e a EPTG congestionam nos horários de pico. Isso é uma realidade que, por mais obras de duplicação e viadutos que um governo possa fazer, sempre existirá. E é por causa desses estrangulamentos que a diminuição da velocidade contribui com o tempo de deslocamento.  Ao se reduzir a velocidade de uma via diminuímos automaticamente a distância de segurança entre os veículos. Com isso temos mais carros passando numa via de 50km/h do que numa via de 100km/h. Com velocidade alta teremos menos carros na via que mais rapidamente chegarão ao ponto de estrangulamento e não conseguirão passar, gerando com isso os nossos famosos engarrafamentos.

Várias cidades do mundo já reduziram seus limites de velocidade. Em Nova York desde 1995 o limite de velocidade na cidade já era de 48km/h. Em 2013 esse limite foi reduzido para 40km/h. Em Londres, a velocidade nas áreas mais centrais chegou a 32 km/h. Em cidades mais próximas a nós como a Cidade do México existem zonas de 20 km/h, pertos de hospitais, escolas e asilos, zonas de 30 e 40 km/h em vias secundárias e de trânsito mais calmo e de 50 km/h nas principais vias. Outros exemplos de cidades que também reduziram os limites são Paris, Barcelona, Roma e Santiago. Um ponto de reflexão sobre essas cidades é em todas elas a relação da população com os espaços públicos é mais dinâmica, há mais pessoas nas ruas a pé ou de bicicleta e utilizando transporte público.

Em um cálculo rápido, para se deslocar do extremo da Asa Norte até o extremo da Asa Sul, o tempo gasto a 60 km/He apenas 3 minutos maior do que a 80 km/h. No Lago Norte, a redução de 70 km/h para 60km/h significa diferença de apenas 1min e 20 segundos do Clube do Congresso até a Ponte do Bragueto. Em termos de política pública, será que esse minuto vale mais que um aumento de 15% na chance de alguém sobreviver a um atropelamento?

A discussão sobre adoção de novos limites de velocidade deve ser antecipada em relação a adoção de outras políticas públicas como melhora do transporte público, criação de estrutura cicloviária, reestruturação de espaços públicos e de comércio além do incentivo ao desenvolvimento de regiões administrativas periféricas ao centro da cidade. Toda essa discussão deve ser feita com o objetivo de se construir uma cidade para pessoas, uma cidade na qual a população seja empoderada e passe a se sentir dona, onde pedestres, ciclistas e motoristas possam conviver em paz. Para isso a redução da velocidade deve o primeiro passo para se criar um ambiente favorável à chegada das pessoas sem seus carros.

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