A inserção de um sistema de bicicletas compartilhadas em Brasília

O Governo do Distrito Federal (GDF) realizou, por meio do edital de Chamamento Público nº 01/2014 (veja aqui o edital), seleção de empresa que implantará e operacionalizará, em caráter experimental, o primeiro sistema de bicicletas compartilhadas, a ser implantado na Região Administrativa de Brasília (RA-I).

Conforme descrito no edital, a iniciativa, que partiu do Fórum de Mobilidade por Bicicletas do Distrito Federal, “soma-se aos esforços do GDF de mudar a cultura exclusivamente automobilística da capital federal, introduzindo novos modos de deslocamento com vistas à fluidez do trânsito de veículos e valorizando a bicicleta como meio de transporte”.

Na terça-feira 22/04/2014, a Secretaria de Estado de Governo divulgou o resultado do chamamento público (veja aqui). A empresa SERTTEL LTDA. sagrou-se vencedora, devendo assinar o Termo de Cooperação com o GDF para levar a frente o projeto.

Segundo o edital, após a assinatura do Termo de Cooperação, a empresa terá 20 dias para iniciar a execução do projeto, com a implantação e colocação em funcionamento das primeiras 10 estações de bicicletas compartilhadas, totalizando 100 bicicletas disponíveis para compartilhamento. Após 75 dias, 30 estações com 300 bicicletas deverão ser implantadas. A cada 25 dias novas estações deverão entrar em operação. O edital prevê um total de 68 estações, com 864 bicicletas e 576 vagas livres. O período total do projeto de testes é de 24 meses.

O funcionamento será durante todos os dias da semana, nos horários de 6 às 23h59min para retirada das bicicletas e 24h para devolução. O sistema para devolução e retirada da bicicleta pelo usuário será por meio de aplicativo desenvolvido para smartphones e terá, segundo o Secretário de Transportes do GDF, uma taxa de R$ 10,00 ao ano para poder utilizar as bicicletas quantas vezes necessitar.

Apesar da Rodas da Paz não ter tido acesso a informações gerais ou específicas sobre o formato do edital, mesmo assim, em dezembro de 2013, enviou sugestões ao GDF (veja aqui). Com base na experiência de outras cidades e em estudos de entidades especializadas no assunto, o documento abordou características e pré-requisitos que um sistema de bicicletas compartilhadas adequado deveria adotar. As sugestões, em sua maior parte, foram atendidas pelo edital resultante.

A Rodas da Paz considera positiva a atitude do GDF em promover o uso da bicicleta como meio de transporte, através do sistema de bicicletas compartilhadas. No entanto, não se pode desconsiderar o fato que muitas questões referentes ao projeto cicloviário deste Governo ainda precisam da devida atenção antes de disponibilizar bicicletas para as pessoas, sobretudo para aquelas que não estão acostumadas com os problemas estruturais das rotas cicláveis do Distrito Federal e de convívio nas ruas, tão sabidos e alertados por aqueles que realmente pedalam pela cidade e presenciam tais situações.

Entendemos que o incentivo ao ciclista para utilizar a bicicleta como meio de transporte, por meio de quilômetros de ciclovias e bicicletas compartilhadas, sem a devida preparação da população para recebê-los de uma forma harmoniosa e segura, seria como implantar o sinal de vida nas faixas de pedestre sem ter feito, previamente, todo o trabalho de redução da velocidade e de implantação de radares nas vias do Distrito Federal. Isto é, o aumento de conflitos e acidentes que poderiam facilmente ser previstos e evitados pode acabar por desestimular quem, em algum momento, se encorajou a usar a bicicleta pela cidade.

O comportamento, cada dia mais intolerante, negligente e irresponsável de motoristas nos leva a reforçar, veementemente, o pedido por ações educativas e corretivas destes condutores, que abordem o comportamento adequado no trânsito, o respeito às leis e a conscientização do compartilhamento do espaço com outros veículos, como a bicicleta. A fiscalização e punição exemplar se tornam ainda mais necessárias nesse período inicial das campanhas.

Para dificultar a situação, a propaganda “educativa”, que começou a ser divulgada nos últimos meses, transmite uma mensagem distorcida do uso da bicicleta, não tendo passado por revisão de especialistas sobre a questão e nem mesmo pelo frágil Fórum de Mobilidade por Bicicleta. De forma atrapalhada, a propaganda do GDF dá a entender que os ciclistas devem usar somente as ciclovias para se deslocar e não dá o devido enfoque para orientar os motoristas sobre a preferência nas travessias. Ora, o direito de deslocamento do ciclista deve ser garantido independentemente de haver uma estrutura exclusiva. Ou seja, ao invés de tornar as ruas menos violentas, reduzir os limites de velocidade (como orientado pela OMS) e permitir a fluidez, conforto e prioridade aos meios não motorizados (como orienta a Política Nacional de Mobilidade Urbana), o GDF insiste em colocar quase que exclusivamente no ciclista a responsabilidade pela sua segurança, enquanto permanece conivente com a manutenção da velocidade elevada dos automóveis (principal causa das mortes no trânsito) e sua fluidez.

Além disso, a Rodas da Paz insiste que diversos aspectos associados ao modelo de ciclovias adotado no Distrito Federal devem ser revistos. Para citar um, de acordo com a legislação de trânsito, a preferência é do menor veículo e o motorista, ao se aproximar de cruzamentos, deve  sempre reduzir a velocidade de forma que possa deter seu veículo para dar passagem a pedestre ou quem tiver preferência. Para isso, em vias de baixa velocidade e conversões, a sinalização deve alertar fortemente o automóvel para redução da velocidade e parada, o que não está sendo feito. De forma contrária, a sinalização feita pelo GDF está invertida, com sinais de “PARE” voltados para os ciclistas, o que simboliza a negligência e a falta de interesse em respeitar a preferência dos não motorizados e o desconhecimento sobre segurança viária.

Essa situação nos leva a refletir sobre uma importante questão: não seria prudente, por parte dos governantes, combater, de fato, alguns problemas estruturais já suficientemente sabidos, e cujas soluções estão bem exemplificadas no mundo todo, para proporcionar conforto, bem-estar e segurança a quem decide optar por uma bicicleta para deslocar-se pela cidade? Alertamos o Governo e a população que o Sistema Cicloviário do GDF está muito longe de ser concluído, diferentemente do que dão a entender as recentes propagandas institucionais, o lançamento de aplicativos para smartphones e a disponibilização de bicicletas compartilhadas.

Se as necessidades reais de quem pedala e de quem pretende pedalar não forem discutidas e trabalhadas de forma mais ampla, o programa de bicicletas compartilhadas, assim como projetos pontuais e limitados como a faixa de ciclistas nos feriados, correm o sério risco de parecer ações meramente eleitoreiras, com o objetivo de causar uma boa impressão aos turistas, durante a copa do mundo, e à população, com pouco reflexo sobre a incorporação efetiva da bicicleta na vida cotidiana de Brasília.

 

Maurício Pinheiro é engenheiro e voluntário da Rodas da Paz

2 comments on “A inserção de um sistema de bicicletas compartilhadas em Brasília

  1. Paulo disse:

    As primeiras estações ao longo do eixo monumental atendem a um público restrito. Acredito que deveriam ser instaladas próximo às ciclovias no eixo sul-norte, e próximo às estações de metro.
    Alguém sabe a localização das futuras estações de bicicleta? A companhia que venceu o edita afirma somente que serão determinadas “pela prefeitura”.

  2. Jader Tavares disse:

    Meus parabéns ao Rodas da Paz pelo maravilhoso trabalho de sempre, e ao Maurício pelo excelente artigo! Compartilho exatamente a mesma opinião! Venho de bike para o trabalho (N.Bandeirante>104Sul) e todo santo dia tenho inúmeras histórias pra contar sobre carros que me fecharam, pedestres que param pra conversar no meio da ciclovia, carros e caçambas de lixo que trancam as rampas de acesso e por aí vai. Campanhas de conscientização são o primeiro passo para implantação de qualquer novidade na sociedade, são como um “manual de instruções”! Sem elas, de nada adianta ilustrar a cidade com ciclovias que se tornaram as novas calçadas, já que a razão do seu uso é desconhecida para a maioria das pessoas. Enquanto isso, sigo sem saber se chego vivo e sonhando com o dia em que todos os motoristas usarão a seta..

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